Segue aqui um artigo publicado no Le Monde em 07/01/2011 sobre procrastinação e que acaba sendo bem mais amplo, incluindo educação financeira. A autoria é de Hubert Guillaud e traduzi livremente, cortanto umas poucas partes e usando termos coloquiais, mas mantendo os links pros estudos originais. Só coloquei um título mais apelativo! hehe!
Quem quiser ler na íntegra:
http://www.lemonde.fr/technologies/article/2011/01/07/pourquoi-remettons-nous-souvent-les-choses-au-lendemain_1462548_651865.html
É curioso ter deixado um artigo sobre procrastinação tanto tempo num tab aberto do browser. Mas quando li, achei que era tão interessante e abrangente, que senti vontade de dividir isso com outras pessoas.
Portanto, deixe pra lá a vontade de evitar o texto só pq tem muitas letras. Se vc ler tudo, no final se sentirá recompensado. ;P
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O artigo começa expondo as diferenças entre os filmes que as pessoas imaginam que desejam ver - documentários e filmes autorais - e os filmes que realmente são os mais alugados - os sucessos de bilheteria. (Daniel Read, George Loewenstein et Shoban Kalyanaraman, 1999 -
http://online.wsj.com/public/resources/documents/ReadLoewenstein_VirtueVice_JBDM99.pdf )
Outros estudos sustentam a ideia:
http://mansci.journal.informs.org/cgi/content/abstract/55/6/1047
O autor segue citando que o mesmo acontece com os hábitos alimentares: compramos frutas e vegetais e acabamos esquecendo de comê-los. Ainda, quando estão lado a lado, uma fruta e um doce ou pão, normalmente escolhemos o segundo.
Os psicólogos usam o termo "desvio do presente" pra caracterizar as diferenças entre o que achamos bom no curto prazo e o que é bom no longo prazo.
Isso explicaria a procrastinação: adiar tudo pro último minuto: compras de Natal, recadastramento do título eleitoral, jogar video game ao invés de fazer a lição de casa. E também explica pq fazemos isso tudo apesar das boas resoluções em contrário.
O SEGREDO DO AUTOCONTROLE NÃO É A VONTADE, É A DISTRAÇÃO
Nos anos 60, Walter Mischel realizou experiências sobre conflito de negociação com crianças. Acho que a maioria aqui deve ter visto aquele vídeo com as crianças numa sala e um marshmallow.
Um pesquisador entra e coloca na frente duma criança um marshmallow. Diz que, quando voltar, se a criança não tiver comido o doce, vai ganhar outro.
Quando o tio Walter começou a analizar os resultados, viu que as crianças que comiam o doce mais rapidamente eram os mais suscetíveis a problemas comportamentais e que tinham as notas mais baixas que os outros. Uma explicação mais aprofundada pode ser vista no seguinte artigo:
http://www.newyorker.com/reporting/2009/05/18/090518fa_fact_lehrer?currentPage=all
Uns 30% dos moleques esperaram o pesquisador, que voltava entre 10 a 15 minutos depois. Ainda que atentados pelo doce, conseguiam resistir.
Walter Mischel percebeu uma relação entre o desempenho escolar e a capacidade da pirralhada de se controlar. Em 1981, reecontrou 653 moleques que haviam participado da primeira experiência e fez novas pesquisas. Os que haviam cedido mais rapidamente eram realmente mais suscetíveis a problemas de comportamento que os outros.
Para esse pesquisador, a inteligência tem grande parte no autocontrole. E depende de uma competência fundamental chamada de "divisão estratégica da atenção". Ou seja, ao invés de ficarem obcecados pelo marshmallow que estava na frente deles (estímulo quente), as crianças foram brincar e cantar músicas pra esperar. O desejo não foi vencido, foi simplesmente esquecido. A chave é evitar pensar no marshmallow.
Entre os adultos, essa competência é conhecida por "metacognição". Refletir sobre uma reflexão. As crianças que entendiam isso podiam esperar melhor a gratificação. Os que achavam que a melhor maneira era encarar fixamente o doce, acabavam não resistindo.
Segundo Mischel, o teste do marshmallow é um teste de previsão poderoso. Os que são mais sensíveis à emoções quentes devem poupar mais dinheiro pra aposentadoria que os outros. Trabalhos posteriores viram diferenças comportamentais em crianças de 19 meses. Quando sob situações de estresse, umas crianças abriam o berreiro, enquanto outras contornavam sua ansiedade se distraindo, brincando. Os moleques que choravam eram os que, 5 anos depois, teriam dificuldades em resistir ao marshmallow.
De acordo com Mischel, a capacidade de auto controle é tão genética quanto social. O auto controle de crianças vindas de famílias de pouca receita do Bronx era menor que os de crianças de Palo Alto. "Quando vc cresce pobre, acaba não tendo o hábito de adiar sua recompensa. E se não praticar, não saberá como distrair sua atenção, elaborar as melhores estratégias..." As pessoas aprendem a usar sua personalidade como aprendem a usar o computador: por tentativa e erro.
Mas isso se aprende fácil e rapidamente. Ao dizer para as crianças imaginarem um quadro em torno dos doces, os resultados foram espetaculares. "A única maneira de vencer nossos instintos é evitá-los, prestar atenção em outra coisa. Costumamos dizer que isso é vontade, mas não tem nada a ver com vontade", explica John Jonides, neurocientista da Universidade de Michigan.
Mischel prepara agora um estudo em grande escala, com centenas de estudantes do primário, pra ver se as competências de autocontrole podem ser treinadas para permanecerem no longo prazo. Em outras palavras, ele quer mostrar às crianças que essas coisas não funcionam só durante a experiência, mas que elas também podem aplicar isso em casa, na hora de decidir entre os deveres e a televisão.
Para Angela Lee Duckworth (http://www.sas.upenn.edu/~duckwort/), professora de psicologia da Universidade da Pensilvânia, tentar ensinar álgebra a um adolescente que não tem autocontrole é um exercício inútil. Segudo ela, a capacidade de adiar a auto gratificação seria um fator mais eficaz na previsão do comportamento que o QI. Se a inteligência é importante, é menos que o autocontrole. Walter Mischel diz que não basta ensinar às crianças uns truques. O desafio é transformá-los em hábitos, o que pode demandar anos de prática. "É aí que os pais são importantes" - ele diz. "Eles criam rituais pra ensinar a adiar suas vontades rotineiramente? Encorajam a conseguir? Encontram maneiras de fazer a espera valer a pena?"
Para Mischel, as rotinas mais comuns na infância (como não comer porcaria antes das refeições, esperar a manhã de Natal pra abrir os presentes, etc) são exercícios de treinamento cognitivo disfarçados, que nos ensinam a adiar nossos desejos.
NÃO SABEMOS LIDAR COM PRAZOS
Se nos oferecerem 50 doletas agora ou 100 no fim do ano, pegamos os 50. Se nos oferecerem $50 em 5 anos ou $100 em 6 anos, a diferença de tempo não mudou (um ano), mas parece mais natural esperar um ano a mais, quando já se esperou um bocado. Portanto, sendo animais racionais, escolheríamos sempre o montante mais alto, ou temos a tendência de pegar o que podemos lucrar mais rapidamente, lembra David McRaney. Por isso o Twitter parece sempre mais gratificante que fazer tarefas mais difíceis (como escrever um artigo) do qual depende nosso salário no fim do mês. (e quem traduziu está só procrastinando, já que não ganha nada com isso).
Quando somos obrigados a esperar, temos a tendência a ser mais racionais. É o que se chama de "projeção hiperbólica". Tradicionalmente, os economistas consideram que os indivíduos otimizam uma função de utilidade intertemporal projetando os ganhos futuros de maneira linear; é a "projeção exponencial". De fato, a psicologia e a economia comportamentais indicam que indivíduos (e tb animais) projetam seus ganhos futuros de maneira hiperbólica. A projeção hiperbólica torna possível um fenômeno interessante: a inversão de preferências que significam que num momento t, A é melhor que B, mas num momento t+n, B é preferido ao A, que é o que explica em seu blog (
http://rationalitelimitee.wordpress.com/2010/10/23/procrastination-preference-conditionnelle-pour-la-conformite-et-raisonnement-dequipe/ ), Cyril Hédoin, mestre de conferências em ciências econômicas da Universidade de Reims.
A melhor maneira de combater a procrastinação, diz David McRaney, é lidar com prazos. Um estudo de Klaus Wertenbroch et Dan Ariely realizado em 2002 (
http://faculty.haas.berkeley.edu/brchen/2001-104.pdf ) criou 3 turmas de estudantes que deveriam entregar, cada um, 3 tarefas. O primeiro deveria entregar as 3 tarefas juntas no final de 3 semanas. O segundo ia entregar as 3 tarefas em prazos diferentes. A última deveria entregar uma tarefa a cada semana. Sem nenhuma surpresa, o último grupo apresentou os melhores resultados, enquanto o primeiro foi catastrófico. Os estudantes sem linhas diretrizes tem a tendência de deixar todos os deveres pra última hora.
Esses resultados sugerem que se todo mundo tem problemas com a procrastinação, os que reconhecem e admitem sua fraqueza são os que estão em melhor posição para usar as ferramentes disponíveis para superar essa dificuldade, explica Dan Ariely em seu livro ("Sou eu (mesmo?) que decide"). "A procrastinação é um impulso, como comprar caixas de doces na loja".
Para combater a procrastinação, é necessário se tornar um adepto da reflexão sobre a reflexão, conclui David McRaney. "É necessário entender que é vc que lê esse texto e é esse mesmo vc que será, no futuro, influenciado por diferentes desejos e ideias, um vc com outras disposições, usando outras paletas de funções cerebrais para pintar a realidade". É necessário ser capaz de discernir entre os custos das recompensas toda vez que a escolha tiver que ser feita.
O que é mais fácil falar que fazer.
Hubert Guillaud
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