Entre cheque especial, cartões de crédito, empréstimos consignados e financiamentos bancários para compra de imóvel ou automóvel, os brasileiros devem aproximadamente R$ 550 bilhões – o equivalente a 40% da renda anual dos brasileiros, incluído o recebido por meio do sistema previdenciário.
Isso é demais: significa que boa parte dos brasileiros não está conseguindo administrar suas finanças pessoais, e deve muito mais do que seria razoável. E o pior é que boa parte dessa dívida deve-se a empréstimos consignados e ao mau uso do cheque especial e dos cartões de crédito – dívidas ruins, que não acrescentarão nada ao seu patrimônio.
É certo que boa parte dessas dívidas decorre dos baixos salários que boa parte da população recebe. É dificílimo chegar ao fim do mês e não ter mais dinheiro para consumir os bens mais básicos de uma vida boa. Mas boa parte da população – em especial, a parcela que tem acesso a cartões de crédito e ao cheque especial – tem que recorrer a esses instrumentos por simples falta de planejamento financeiro.
Não estou condenando o uso do cartão de crédito: utilizado da maneira correta, pode ser uma boa maneira de o consumidor planejar seus gastos e antecipar consumo futuro de maneira organizada. Mas isso requer disciplina: é necessário ter o planejamento exato de quanto se antecipou no cartão de crédito, para que se possa pagar a fatura inteiramente, sem a necessidade de parcelamento – procedimento cujos juros são extremamente elevados.
Para que o leitor tenha uma idéia, os juros do parcelamento do cartão de crédito podem passar de 4.5% ao mês. Alguém que tenha parcelado uma fatura de R$ 5.000,00 em 10 meses com uma taxa dessas pagaria, só de juros, R$ 2.764,85 – ao final, deveria pagar R$ 7.764,85 pela dívida.
No cheque especial, a situação pode ficar ainda pior. Há instituições financeiras que cobram até 12% AO MÊS pelo uso desse instrumento. Dever R$ 5.000,00 no cheque especial por um ano levaria o consumidor a uma dívida final de R$ 19.479,88. Isso mesmo: você começa o ano devendo R$ 5.000,00 e o termina com uma dívida de quase R$ 20.000,00. Em 2 anos, a dívida se transformou em R$ 75.893,14. Em 3 anos, são quase R$ 300.000,00. Entendeu o recado? NÃO USE NO CHEQUE ESPECIAL. “Mas, Fábio…”. Não, não tem mas… não entre no cheque especial, ou você corre o risco de não sair dele. Uma bola de neve pode se formar rapidamente em sua vida financeira – e, pior, contra você.
E se você já entrou no cheque especial, estourou o limite do crédito consignado, fez todas as bobagens que poderia fazer? Como você pode sair da fria em que se meteu?
A primeira coisa a fazer nessa situação é tentar renegociar a dívida com o credor. Se é o banco, vá até o gerente e mostre sua situação. Se você entrou no cheque especial e está devendo R$ 300.000,00, mostre a ele que você não vai poder pagar essa dívida nunca, esperneie, seja histérico(a), mas faça com que ele perceba que uma renegociação pode ser a melhor coisa para o banco e para você. “Ah, Fábio, mas você está usando no cálculo juros compostos…” Verdade. Mas só estou fazendo isso porque muitas instituições financeiras adotam essa prática, mesmo que ilegalmente.
“Peraí, Fábio… como renegociar uma dívida de R$ 300.000,00 para algo razoável para mim pode ser aceitável para o banco? O que seria razoável para mim seria, no máximo, pagar uns R$ 7.000,00 por essa dívida, e isso é muito menos do que os R$ 300.000,00 que eu devo.”
Pois é: mas para o banco, é melhor receber os R$ 7.000,00 (que já trazem embutido algum ganho em cima do montante emprestado) do que ter um crédito fantasioso de R$ 300.000,00 que ele nunca vai poder receber, porque o devedor não vai ter nunca como pagar. Tente negociar: se você não conseguir, procure a justiça. Alegue inclusive que estão cobrando juros sobre juros de você (anatocismo). Mas tenha em mente que essa saída ser demorada e pode não ser bem sucedida (pois é, existe a chance de você perder). Melhor mesmo é nunca entrar nessa fria.
Outra saída interessante é tomar um empréstimo a juros menores para poder pagar as dívidas com juros extorsivos. Pois é: você troca um empréstimo por outro, mas com vantagens melhores do que as do primeiro. “E aí, o que eu faço com o dinheiro do segundo empréstimo? Compro um carro novo?” Não, você vai pagar a dívida do primeiro empréstimo com esse dinheiro. Ao invés de pagar 12% ao mês, você paga 1,5% ao mês. Bem melhor, não é? “E onde eu consigo um empréstimo desses?” Provavelmente, se você é filiado a um sindicato ou a uma associação de classe, deve ter acesso a uma linha de crédito mais vantajosa.
E então, você está preparado para parar de trabalhar para os outros? Se for necessário, rasgue o cartão de crédito: adote-o como um instrumento para você, não um meio de a instituição financeira o transformar em um escravo dele.
Publicado originalmente no blog "O pequeno investidor"